Estou escrevendo a história de dois personagens que embarcam numa viagem de um estado do Brasil a outro para um tratamento de saúde. Porém, na verdade, chegando à parada final eles vão em busca do que realmente queriam e nunca verbalizaram.
Me peguei pensando na frequência com que fazemos uma coisa na intenção de outra, como isso pode gerar frustrações em diferentes escalas e ainda nos colocar numa condição ansiosa. E, meu Deus, que prato cheio é tudo isso para uma escrita de ficção!
Por exemplo, eu sempre sempre sempre vou ao barbeiro na intenção de me sentir mais bonito depois. Meu cérebro acredita na ilusão de que aparar os poucos pelos sobre minha cabeça significa um reencontro com uma beleza escondida.
Na real, eu corto o cabelo para dar a ideia aos outros de que eu faço alguma manutenção nesta carcaça de 31 anos. Para estar apresentável no jornal que faço na tevê, para me adequar à identidade do mundo corporativo, para calibrar a mensagem que passo junto das minhas roupas e das minhas ideias. Não é exatamente pela beleza, é pela renovação. Gui, meu barbeiro, sempre sempre sempre finaliza os trabalhos dizendo “prontinho, novo de novo!”. Ele parece sempre mais feliz que eu.
Não me orgulho de ser um sujeito cheio de segundas intenções. Só que de boas e primeiras o inferno está cheio. Se soubermos sempre o que estamos fazendo aqui e agora, não teremos frustrações pra contar na análise, não encenamos desentendimentos com pessoas que nos cercam e faltará material para histórias de ficção.
Gosto de uma vida em paz, mas não passa pela minha cabeça a ideia de viver numa ilustração de folheto de Testemunhas de Jeová.
Acho que saquei como vivem os personagens que estou moldando no barro do mistério: angustiados, sem dúvida. Mas eles também são argutos, em alguma medida. Pagando de safos, mas com os corações pulsando descompassados em corpos de vidro.
e não estamos todos, em alguma medida, angustiados nesta vida?